CUT e entidades sindicais viram a ratificação com desconfiança. Vitória na luta internacional pode ser mais um golpe do governo
Na última sexta (31), em Genebra, o Brasil ratificou a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), norma que trata do trabalho decente – direitos e salários – para as trabalhadoras e trabalhadores domésticos. Com a medida, o Brasil passa a ser o 14º Estado membro da região das Américas e o 25º Estado Membro da OIT e a ratificar a Convenção.
Considerada uma vitória das trabalhadoras doméstica, que desde 1930 lutam para equiparar seus direitos aos dos demais trabalhadores e trabalhadoras urbanos, a notícia também foi vista com cautela e desconfiança pela CUT e entidades sindicais que representam os mais de sete milhões de domésticos no Brasil. Isso porque, a ratificação acontece depois da entrada em vigor da nova lei trabalhista que tirou direitos garantidos pela CLT e legalizou o contrato intermitente, que não define uma carga horária mínima e pode pagar até menos de um salário mínimo por mês.
Para a secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Junéia Martins Batista, a ratificação da convenção 189 da OIT é uma grande conquista, mas pode ser uma provocação desse governo que está atacando os direitos da classe trabalhadora desde que assumiu.
“O que seria o referendo da conquista dos direitos da trabalhadora doméstica”, disse Juneia se referindo a ratificação da 189, “pode ser uma ‘medida para inglês ver’, pois ocorre no mesmo momento em que o golpista Michel Temer aprova medidas que acabam com a CLT”, denuncia a secretária.
“Como a ratificação da Convenção nos pegou de surpresa, o receio agora é que as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos possam ser incluídos na reforma Trabalhista e, com isso, perder direitos já conquistados na EC e na Lei complementar ”, frisou Luiza Batista, presidenta da FENATRAD (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas).
Ela comemora a ratificação da Convenção, mas lembra que o trâmite da adesão ao tratado começou antes do impeachment da presidenta Dilma Housseff, em abril de 2016, mas foi engavetada para o desenrolar do processo do golpe, que tirou a presidenta legitimamente eleita do poder executivo e iniciou uma sequência de ataques aos direitos sociais e trabalhistas.
“Ainda no governo Dilma medidas importantes para as trabalhadoras domésticas foram aprovadas, como a Emenda Constitucional (EC 72/13), que estabeleceu 44 horas semanais de trabalho, e a Lei Complementar 150, de junho de 2015, que proibiu o trabalho doméstico para menores de 18 anos e instituiu a jornada de trabalho de no máximo 8 horas de trabalho por dia, a multa por demissão injustificada, o acesso à proteção social, entre outras”, contou a trabalhadora doméstica.
A advogada da FENATRAD, Myllena Calazans, explicou que o tratado não pode retirar direitos. “A convenção vem para se somar aos direitos conquistados e não para retirar direitos, reforçando a reforma Trabalhista. A Convenção é para garantir trabalho decente, diferentemente da nova lei que retira direitos básicos do trabalhador e da trabalhadora. Estamos atentos e acompanhando de perto todos os passos do governo”, contou a advogada.
A luta do movimento sindical nacional e internacional em defesa das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos foi lembrada pela secretária Nacional de Combate ao Racismo, Maria Julia Nogueira, que questionou a rapidez dos procedimentos, de um governo não comprometido com o povo, para aderir ao tratado.
Ela lembra que os movimentos sindicais nacionais e internacionais lutaram por anos em defesa das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos, como a campanha 12-12, promovida pela CONTRACS, CUT e FENATRAD em 2011, para arrecadar 1,2 milhões de assinaturas para pressionar o governo brasileiro a ratificar a medida. A Confederação Sindical Internacional (CSI) e a CSA (Confederação Sindical das Américas) lançaram uma campanha internacional, que pretendia conseguir que 12 países ratificassem a Convenção 189 até 2012 e não avançou politicamente.
“E ai vem um o governo golpista que adere em poucos meses à Convenção 189, num processo acelerado. Temos que ficar alertas!”, diz Júlia.
Fonte: CUT – Escrito por: Érica Aragão
Nota da Fenatrad
Nota FENATRAD ratificação Convenção 189
FENATRAD, CUT e CONTRACS COMEMORAM A RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 189 da OIT
– Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio e Serviço (CONTRACS) celebram a ratificação pelo Estado brasileiro da Convenção 189 da OIT , em 31 de janeiro, tendo em vista que é um dos resultados dos 80 anos de luta das trabalhadoras brasileiras e da mobilização mundial das trabalhadoras domésticas para valorização do trabalho doméstico e pelo fato da Convenção se somar à conquista da Emenda Constitucional 72 de 2013 (PEC das Domésticas) e da Lei Complementar 150 de 2015. Tais normas nacionais garantiram a equiparação de direitos dessa categoria com os demais trabalhadores, saudando, assim, uma dívida histórica do Brasil com as trabalhadoras domésticas.
A Convenção 189 da OIT é um instrumento internacional, que junto com a Recomendação 201, preconiza a garantia de trabalho decente para as trabalhadoras domésticas de forma a garantir os mesmos direitos e dignidade que os demais trabalhadores possuem – jornada definida, salário, férias, sindicalização entre outros. A elaboração desse instrumento se deu por ocasião da 100ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), em junho de 2011, na sede da OIT, em Genebra, tendo os debates, encontros e conferências internacionais para elaboração e discussão do texto iniciado em 2009.
A FENATRAD, com a poio da CUT, CONTRACS , das organizações feministas parceiras e da própria OIT, participou desde 2009 de todo o processo de elaboração, discussão e a aprovação da Convenção se fazendo presente nos seminários e encontros promovidos pela OIT na América Latina e em Genebra. A FENATRAD também sempre esteve à frente das reuniões com o Governo Lula e Dilma e durante a tramitação no Congresso Nacional a fim de que o Estado Brasileiro ratificasse o tratado, tornando- se o 14º país das Américas e o 25º membro da OIT a aderir à Convenção 189.
A Convenção 189 da OIT deve vir para reafirmar e ampliar os direitos das trabalhadoras domésticas. É nessa esteira que a FENATRAD, CUT e CONTRACS estarão atentas à implementação e comprometem-se, desde já, a apresentar relatórios para as instâncias nacionais e internacionais que atestem os esforços e denunciem tanto as ameaças de retirada de direitos imprimidas pela recente Reforma Trabalhista quanto a omissão do Estado brasileiro no cumprimento dos compromissos assumidos perante a OIT (e a Constituição Federal de 1988) para promoção e garantia do trabalho decente para as sete milhões de trabalhadoras domésticas brasileiras, em sua maioria mulheres negras e pobres.
Seguiremos em nossa luta diária por dignidade, valorização e reconhecimento do trabalho doméstico, trabalho este que move e cria condições para os demais trabalhadores e trabalhadoras se dedicarem às atividades produtiva. Seguiremos sempre com a determinação e a resiliência de Laudelina Campos Melo – mulher negra e pobre que criou em 1936 a primeira associação das trabalhadoras domésticas no Estado de São Paulo.
Brasília, 06 de fevereiro de 2018
Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio e Serviço (CONTRACS)