Reforma da Previdência e o futuro das trabalhadoras domésticas

Luiza Batista, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD)

No dia 03 de setembro de 2019, participamos, no Congresso Nacional, de algumas audiências públicas para discutir a Reforma da Previdência. Nós, trabalhadoras domésticas, há 46 anos conquistamos o direito a carteira assinada, e, consequentemente, o direito à previdência social.

Foi uma luta muito forte. Mas foi a partir da Constituição de 1988 que conquistamos alguns direitos que antes eram direcionados às outras categorias de trabalhadores. Hoje nós temos praticamente todos os direitos, assim como os demais trabalhadores, assim como uma Emenda Constitucional que fez a reparação de direitos e uma Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mas estamos num momento de desmonte dos direitos conquistados no nosso país.

Esse desmonte começou em 2013, quando os black blocs se organizam para desestabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff. Com o impeachment, ou melhor, o golpe; pois não houve nenhum crime de responsabilidade e sofremos um sério golpe na nossa democracia. O golpe na realidade foi contra o povo e a classe trabalhadora e para desestabilizar o Partido dos Trabalhadores, que vinha ao longo dos últimos 14 anos ampliando direitos para todas as classes trabalhadoras e para nós, domésticas, que sempre tivemos excluídas de direitos.

Foi um avanço muito grande tudo que conquistamos nos governos do PT: estabilidade das gestantes, direito garantido por lei aos feriados, férias de 30 dias com o salário e mais 1/3. Pois esses direitos antes eram só reivindicações.

Após o golpe de 2016, nos deparamos com a Reforma Trabalhista, que retirou direitos da classe trabalhadora e obrigatoriedade da contribuição sindical, algo que nunca tivemos. E também dispensou a obrigatoriedade de se fazer homologação nos sindicatos. Tudo isso vem enfraquecendo os sindicatos, de todas as categorias.

Agora estamos enfrentando um novo retrocesso, ainda maior, que é a Reforma da Previdência. Ela vai atingir todos os trabalhadores que futuramente irão se aposentar. Vale ressaltar que a aposentadoria pelo INSS é fomentada por um tripé: empregadores, trabalhadores e governos.

E também há aquele “discurso bonito” de que o empregado vai poder ser MEI (Micro Empreendedor Individual), que já desobriga o empregador de registrar aquele trabalhador, consequentemente, não recolhe FGTS, não tem direito a férias, seguro desemprego e não tem décimo terceiro. Tudo isso é um conjunto de retrocessos que vai colocar em risco a aposentadoria e o sustento das pessoas mais pobres e menos favorecidas.

Nossa categoria nunca teve o trabalho valorizado como deveria, mesmo sendo o trabalho doméstico a base de organização da sociedade. Além de tudo, tem a questão da rotatividade muito grande nos locais de trabalho. Diante da rotatividade, uma característica da nossa categoria, vem o problema maior: como pode uma trabalhadora doméstica passar dois, três anos numa casa onde muitos empregadores assinam carteira, mas não recolhem o INSS e o FGTS?

Temos o E-Social. A partir do momento que se inscreve neste programa o empregador obrigatoriamente tem que recolher vinculado INSS e o FGTS, mas infelizmente, ainda existem casos de empregadores que se inscrevem, no E-Social, assinam a carteira da trabalhadora, descontam os 8%, que a lei permite e não contribuem. Estamos sempre atendendo esses casos no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas em Pernambuco.

O E-Social é uma grande conquista, sem sombra de dúvida, construído por nós, dirigentes sindicais, da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) e demais sindicatos filiados, uma construção também do INSS, da Receita Federal, da Justiça do Trabalho, Ministério do Trabalho e o sindicato patronal.

A trabalhadora doméstica vai demorar muito para atingir a quantidade de anos exigida com o salário integral, ou seja, o salário mínimo, pois a maioria das trabalhadoras domésticas do Brasil trabalha com a carteira registrada por salário mínimo.

Uma trabalhadora doméstica passa o dia todo em pé, cuidando de criança, de uma pessoa idosa, limpando a casa, passando roupa, ou seja, ela faz muitas atividades que poderiam ser distribuídas em várias funções caso fossem numa empresa. No trabalho doméstico, a lei é clara e diz que toda atividade realizada dentro do âmbito doméstico é inerente a quem nela trabalha.

Como pode uma pessoa numa situação dessas, num trabalho que tem muita rotatividade, numa situação que muitos empregadores não recolhem a previdência social, chegar aos 62 anos, com 40 anos de contribuição previdenciária? É praticamente impossível.

O texto fala que pode se aposentar com 60 anos e 15 anos de contribuição, só que as pessoas não explicam que quando isso acontece, ela pode se aposentar sim, mas não com o salário integral, é o percentual ao tempo de recolhimento.

Existe uma dificuldade muito grande para os parlamentares entenderem que não fomos nós trabalhadores que causamos esse déficit que eles alegam existir da Previdência, sendo que já foi provado através de uma CPI que não existe déficit nenhum. O que existe é a isenção de somas suntuosas de grandes empresas lucrativas que deixam de recolher os impostos e daí vêm criando problemas para equilibrar as contas públicas. Mas o governo entende que essas pessoas devem ficar isentas do que eles deixaram de pagar. E quem tem que pagar para equilibrar as contas?  Os trabalhadores de todas as categorias.

Essa situação penaliza ainda mais as domésticas, que dificilmente completarão o tempo exigido de contribuição para que ter a sua aposentadoria com o salário integral.

Nós, dirigentes sindicais, acompanhamos as discussões, mas muitas companheiras que estão nas bases, nas casas trabalhando, infelizmente não têm esse conhecimento. Elas não estão conseguindo se informar do que estão tramando contra o nosso futuro.

Penso na nossa categoria com muita angústia por saber que muitas companheiras, com a aprovação da Reforma, vão voltar a década de 50 e 60, quando a gente praticamente não tinha aposentadoria. E como vamos enfrentar esse desgaste?

O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez parte da equipe econômica que implementou esse mesmo sistema de previdência no Chile, na década de 80. Estamos no século 21, aos 19 anos do século 21 e pessoas idosas no Chile estão se suicidando, porque o que elas recebem não dá pra viver dignamente.

Temos que pensar, refletir sobre isso tudo, conversar com as nossas bases, ir à luta, mas entendendo que se trata de uma “deforma”, pois pra mim reformar algo é fazer melhor. No entanto, esta proposta piora a situação da classe trabalhadora, retira direitos garantidos pelos empregadores e o mesmo vai acontecer agora com a “deforma” da previdência.

 

Precisamos estar atentos e lutar contra este futuro não muito promissor.

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