Fenatrad protesta contra decreto no Pará que determina a atividade doméstica como serviço essencial durante a pandemia da Covid-19

Publicada no dia 08 de maio de 2020

A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) vem a público, através de nota, solicitar ao Ministério Público do Trabalho e demais autoridades públicas do Pará, a revisão do Decreto nº 729, de 5 de maio de 2020, editado pelo Governador do Estado, Helder Barbalho, em que coloca o trabalho doméstico como serviço essencial durante a pandemia do novo coronavírus. O Decreto institui o lockdown (suspensão total de atividades não essenciais) em Belém e em outros nove municípios.  

A entidade afirma que as medidas adotadas pelo Governador do Pará penalizam as trabalhadoras domésticas ao incluir a atividade de serviços domésticos de forma geral, ampla e irrestrita como atividade essencial para atuar durante o período crítico da pandemia da COVID-19.

Segundo a Fenatrad, a medida adotada é descabida, se baseia em pensamento arraigado do regime escravocrata que predominou legalmente no Brasil até 1888 onde “chova ou faça sol”, “na doença ou na saúde” a população negra tinha que estar à postos para servir seus senhores.

Além disso, o decreto desconsidera a Nota Técnica Conjunta 04/2020 do MPT, publicada em 16 de março, que fixa diretrizes a serem observadas pelos empregadores e órgãos da Administração Pública nas relações de trabalho doméstico ou de prestação de serviços de limpeza a fim de garantir a igualdade de oportunidades e tratamento no trabalho.

De acordo com a Nota Técnica, as trabalhadoras domésticas só poderão trabalhar durante a pandemia apenas nas hipóteses em que a prestação de seus serviços seja absolutamente indispensável, como no caso de pessoas cuidadoras de idosas e idosos que residam sozinhos, de pessoas que necessitem de acompanhamento permanente, bem como no caso de pessoas que prestem serviços de cuidado a pessoas dependentes de trabalhadoras e trabalhadores de atividades consideradas essenciais nesse período.

“Nós sempre lutamos por valorização e a sociedade nunca quis reconhecer a importância do serviço doméstico. Aí neste momento de pandemia, a casa grande que está em quarentena, não quer se dar ao trabalho de fazer as próprias tarefas domésticas. Colocar o serviço doméstico como essencial de forma generalizada é uma crueldade. As trabalhadoras domésticas também tem famílias”, disse Luiza Batista, presidenta da Fenatrad.

Luiza Batista lembra que a primeira vítima de covid-19 no Rio de Janeiro foi uma trabalhadora doméstica, contaminada pelos seus empregadores.

“O item 58 do decreto do Pará foi infeliz, quando generaliza as atividades domésticas como essenciais”, acrescenta Luiza Batista.

A Nota da Fenatrad recebeu o apoio de demais entidades como Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação dos Trabalhadores do Comércio e de Serviços (Contracs), Gênero, Justiça e Direitos Humanos (THEMIS), Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), entre outras.

Veja a nota na íntegra:

NOTA DA FENATRAD PELA REVISÃO DO DECRETO nº 729,

do Estado do Pará

Cuida de quem te cuida! Proteja sua trabalhadora doméstica!

            A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), organização sindical fundada em 1997 e filiada à CUT, CONTRACS, CONLACTRAHO e FITH[1], e as organizações abaixo elencadas vêm a público requerer urgentemente a revisão do Decreto nº 729, de 5 de maio de 2020, editado pelo Governador do Estado do Pará, que institui o lockdown em Belém e em outros 9 municípios[2] para conter o avanço descontrolado da pandemia da COVID-19.

            É certo que o momento é grave e requer do Estado medidas mais drásticas de isolamento social como a lockdown (suspensão total de atividades não essenciais). Entretanto, as medidas adotadas pelo Governador do Pará penalizam as trabalhadoras domésticas ao incluir a atividade de serviços domésticos de forma geral, ampla e irrestrita como atividade essencial para atuar durante o período crítico da pandemia da COVID-19 (Anexo, item 58 do Decreto).

            A FENATRAD compreende que a medida é descabida, baseia-se em pensamento arraigado do regime escravocrata que predominou legalmente no Brasil até 1888 onde “chova ou faça sol”, “na doença ou na saúde” a população negra tinha que estar à postos para servir seus senhores, além de renegar a Nota  Técnica Conjunta 04/2020 do MPT, publicada em 16 de março, que  fixa diretrizes a serem observadas pelos empregadores e órgãos da Administração Pública nas relações de trabalho doméstico ou de prestação de serviços de limpeza a fim de garantir a igualdade de oportunidades e tratamento no trabalho. Dentre as várias diretrizes estabelecidas na Nota está:

1.a. GARANTIR que a pessoa que realiza trabalho doméstico seja dispensada do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, no período em que vigorarem as medidas de contenção da pandemia do coronavírus, excetuando-se apenas as hipóteses em que a prestação de seus serviços seja absolutamente indispensável, como no caso de pessoas cuidadoras de idosas e idosos que residam sozinhos, de pessoas que necessitem de acompanhamento permanente, bem como no caso de pessoas que prestem serviços de cuidado a pessoas dependentes de trabalhadoras e trabalhadores de atividades consideradas essenciais nesse período (artigo 3º, § 3º, da Lei n. 13.979/2020);

            Por tudo isso, é que a FENATRAD requer ao Governador do Estado do Pará a urgente revisão do Decreto 729 e conclama o Ministério Público do Trabalho e demais autoridades públicas no Pará a adotarem as medidas cabíveis para reverter essa medida que recoloca as trabalhadoras domésticas no caminho das senzalas e viola os direitos conquistadas pela categoria ao longo de mais de 80 anos de luta e que seguem os passos de nossa irmã Laudelina de Campos Melo. 

Brasília, 07 de maio de 2020

SUBESCREVEM A PRESENTE NOTA:

CUT – Central Única dos Trabalhadores

Contracs – Confederação dos Trabalhadores do Comércio e de Serviços

AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras

AMNB – Articulação de Mulheres Negras Brasileiras

CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria

Marcha Mundial de Mulheres

Odara – Instituto da Mulher Negra

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco

SOS Corpo – Instituto Feminista para Democracia

THEMIS – Gênero, Justiça e Direitos Humanos

Conselho Regional de Psicologia do Pará

Conselho Regional de Psicologia do Amapá

CedenpaCentro de Estudo e Defesa do Negro do Pará

IROHIN – Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro Brasileira


[1]Possui 16 sindicatos filiados e está presente em 14 Estados do país. CUT – Central Única dos Trabalhadores; CONTRACS – Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e nos Serviços; CONLACTRAHO – Confederação LatinoAmericana e Caribenha de Trabalhadoras Domésticas; FITH- Federação Internacional das Trabalhadoras Domésticas.

[2] Ananindeua, Marituba, Benevides, Castanhal, Santa Isabel do Pará, Santa Bárbara do Pará, Breves, Vigia e Santo Antônio do Tauá.

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