Luiza Batista
Presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD)
O contexto profissional do trabalho doméstico, no ano de 2020, com a pandemia da Covid-19, foi muito difícil e doloroso, apesar da luta constante e atenta.
E a categoria testemunhou casos dramáticos, como os de Mirtes Renata, que perdeu o filho Miguel, em Recife, enquanto estava passeando com o cachorro da patroa (o que legalmente não é uma obrigação da trabalhadora doméstica) e da companheira agredida fisicamente, na sede da Embaixada das Filipinas, em Brasília, pela embaixadora.
Nos dois casos, apesar dos decretos de lockdown e necessidade de isolamento social, as trabalhadoras continuaram desempenhando as atividades.
Esses casos que tiveram repercussão na mídia, não são isolados. Durante a pandemia, muitas trabalhadoras domésticas não tiveram qualquer direito assegurado.
Somos uma categoria formada por mães de família, na grande maioria mulheres negras, com pouca instrução escolar e moradoras das periferias, que foram obrigadas a continuar trabalhando, expostas ao vírus nos transportes públicos. Era isso, ou tinham como opção morar na casa dos empregadores, sem pagamentos de adicionais ou horas extras. O medo do desemprego e a insegurança de não garantir o sustento da casa e dos filhos fizeram muitas terem que trabalhar nestas condições.
De todas as categorias, fomos a mais exposta.
Em muitos estados, decretos incluíram como essencial a permanência da trabalhadora doméstica em seus postos de trabalho, o que obrigou a irmos para o enfrentamento, junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
Apesar dos avanços conquistados, o ano de 2020 demonstrou que muito há para fazer na mudança de práticas ancestrais. Nossa luta, apesar de ter começado há mais de oito décadas, ainda tem muitas batalhas a serem realizadas.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam uma redução de 11,8% dos postos de emprego doméstico, no primeiro trimestre de 2020. A campanha “Cuida de Quem te Cuida” foi um ponto positivo nesse cenário adverso.
Logo no início da pandemia da Covid-19, a FENATRAD começou essa campanha, que teve grande visibilidade no país, na mídia nacional, e inclusive, foi repercutida na imprensa internacional.
Tratava-se, naquele momento, de solicitar aos empregadores a prática de manter os salários das trabalhadoras sem a necessidade momentânea da doméstica se dirigir ao trabalho, em uma época de expansão da Covid-19 e surpresa geral do planeta com a pandemia.
Aos empregadores que tinham a urgência do trabalho doméstico em suas casas, como profissionais da área de Saúde, a federação sugeriu o transporte das trabalhadoras por aplicativos de transporte, visando diminuir a exposição ao vírus em transportes coletivos.
Naquele momento houve uma parcela expressiva de empregadores que foi sensível à Campanha “Cuida de Quem te Cuida”. E houve a adesão de entidades, ONGs e representantes da Academia.
A campanha adotou ações de comunicação para amplificar a mensagem de que cuidar da trabalhadora doméstica é cuidar também da família dos empregadores e da sociedade como um todo.
O aplicativo Laudelina, elaborado em parceria com a Themis, ajudou a disseminar dados relacionados ao universo do trabalho doméstico.
E logo depois, ainda no primeiro semestre deste ano, foram promovidas pela federação ações para a proteção da categoria no combate à Covid-19. Com o apoio da Igreja Católica e outra entidades da sociedade civil, os sindicatos ligados à federação arrecadaram recursos e cestas básicas para doações às domésticas desempregados e que ficaram sem o auxílio emergencial.
Nosso trabalho é permanente, com articulação de forças. São 23 anos de atividades, onde estabelecemos elos importantes em 14 estados, através de 18 sindicatos filiados e apoios importantes do MPT; Solidarity Center; Themis; ONU Mulheres; SOS Corpo, Centrac e Federação Internacional das Trabalhadoras do Lar (FITH).
Não perdemos a esperança de transformação, combatendo o racismo, assédio, violência, o trabalho infantil e a todas as injustiças existentes na vida das trabalhadoras domésticas. Somos uma categoria numerosa, com mais de 8 milhões de cidadãs e cidadãos brasileiros.
Portanto, estes foram os desafios de 2020. Com resiliência, atitude, solidariedade e união, um Feliz 2021 a todas e todos.