Cuida de quem te cuida! Trabalhadoras domésticas devem ser prioritárias na fila da vacina contra a Covid-19!
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) vem a público manifestar sua indignação e repúdio às declarações do nutricionista Daniel Candy, também marido da cantora Ivete Sangalo. Ele afirmou que a cozinheira teria contaminado toda a sua família com o novo coronavírus.
“O que a gente pôde fazer, a gente fez, mas esse lance da funcionária ficar aqui e depois folgar, ela acabou trazendo para cá”, disse.
A declaração foi feita durante a live, no dia 7 de abril, com a atriz Regina Casé, muita conhecida por interpretar trabalhadoras domésticas conscientes de seus direitos como, por exemplo, Dona Lourdes.
A fala de Daniel Cady teve grande repercussão entre os internautas e entre as trabalhadoras domésticas. Além disso, o nutricionista revelou entendimentos errôneos sobre o vírus. Ele afirmou que quem contrai o novo coronavírus “está quase vacinado” e, sobretudo, por desvelar preconceito racial e de classe tão presentes no trabalho doméstico. São atitudes que impedem o desfazimento do legado da escravização da população negra e indígena no Brasil por mais de três séculos.
Diante da repercussão, Daniel Cady fez pediu desculpas em seu Instagram, no dia 10 de abril, aos internautas e à trabalhadora doméstica que presta serviço à sua família (que sob resquício da Casa Grande e Senzala insiste em não a identificar pelo primeiro nome e chamá-la por “minha cozinheira”), tendo em vista que a trabalhadora estava abalada diante das críticas de contaminar seus patrões, dos julgamentos e dos cancelamentos feitos por moradores do bairro onde mora.
Para a FENATRAD e toda a categoria que representa, o simples pedido de desculpas não é suficiente se, ao menos, não reconhecido e reparado o dano que tais declarações causam às mais de 6,4 milhões de trabalhadoras domésticas (mulheres (93%), negras (63%), pobres, chefes de família e moradoras da periferia. E o quanto tais declarações contribuem para discriminações, violações de direitos e taxa de desemprego que têm marcado a vida e o cotidiano da categoria desde o início da pandemia.
A categoria das trabalhadoras domésticas foi uma das três mais atingida pela crise econômica e sanitária da Covid-19. Cleonice Gonçalves, trabalhadora doméstica no Rio de Janeiro, mulher negra, idosa e com comorbidades, foi uma das três primeiras brasileiras a perder a vida para covid-19, depois de ser contaminada por sua empregadora.
Mirtes Santana foi cumprir, em pleno período crítico da pandemia, a tarefa de passear com os cachorros de sua patroa e na volta assistiu a seu filho Miguel, de cinco anos, perder a vida, porque sua empregadora Sari Corte Real foi incapaz de cuidar de Miguel, deixando-o pegar sozinho um elevador e cair do 9º andar do edifício de luxo pernambucano.
Desde o início da pandemia, nossos sindicatos recebem denúncias de violações de direitos, incluindo demissão ou permanência forçada na casa dos empregadores sob argumento de que o ir e vir da trabalhadora coloca suas vidas em risco; além de assédio moral e sexual; jornadas exaustivas e prestação do trabalho mesmo com membro da família empregadora contaminado.
Hoje, mais de 1,7 milhões de nós estão sem trabalho, seja pela perda de renda das famílias empregadoras, seja por pensamentos como o declarado por Daniel que não se sustentam nem moral, nem juridicamente.
Relembramos que o STF já decidiu que a Covid-19 é uma doença ocupacional. O Ministério Público do Trabalho (MPT), em março de 2020, orientou os empregadores a dispensarem as trabalhadoras com remuneração e para as funções tidas como essenciais (cuidadoras de idosos e pessoas com deficiência, babás e prestadora de serviços para os profissionais atuantes na linha de frente); fornecessem EPIs; transporte particular e horários especiais de trabalho.
A FENATRAD, em outubro de 2020, denunciou à OIT os descasos e violações de direitos cometidos pelo Governo Federal e por particulares contra as trabalhadoras domésticas durante a pandemia ao não assegurarem o direito de quarentena remunerada e não cumprirem a Convenção 189 da OIT.
Por isso, é que a FENATRAD recebe com indignação e repudia a declaração inoportuna e discriminatória de Daniel Candy com nossa categoria e requer de imediato que o poder público tome as providências cabíveis para reparar a discriminação contra a categoria em razão de tais declarações.
Brasília, 12 de abril de 2021