Trabalhadoras domésticas em situação análoga à escravidão no Brasil, até quando?

Publicada no dia 4 de abril de 2022

No Brasil, de 2017 a 2021, 38 trabalhadoras domésticas foram resgatadas de trabalhos escravos. Os dados são do Ministério do Trabalho e Previdência. A maioria das vítimas é formada, especialmente por mulheres negras em situação de vulnerabilidade social. Combater esta prática é um dos principais desafios da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) e seus sindicatos filiados.

O último caso foi o da trabalhadora doméstica de 52 anos, resgatada, no dia 30 de março deste ano, no município de Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, depois de permanecer por 40 anos submetida a condições análogas à de escravo.

A ação fiscal foi motivada por uma denúncia que chegou à unidade do Ministério Público do Trabalho (MPT), em Vitória da Conquista, no ano passado. A vítima, identificada apenas pelas iniciais M. S. S., foi retirada do local de trabalho, encaminhada para a residência de seus familiares e um acordo com a empregadora irá garantir o pagamento de verbas rescisórias e de indenização por danos morais.

Luiza Batista, coordenadora geral da FENATRAD, comemora mais um resgate, mas acredita que assim como esta, ainda existem muitas trabalhadoras domésticas em situação similar no Brasil. A entidade, junto com o Ministério Público do Trabalho (MPT), tem feito um trabalho para garantir que casos de trabalho análogo à escravidão entre as trabalhadoras domésticas tenham punição.

Luiza Batista

“Muitas trabalhadoras vivendo em cárcere privados e trabalho análogo à escravidão, além de sofrer violência física. Os empregadores confiam na impunidade e no isolamento que a trabalhadora doméstica vive no local de trabalho”, disse Luiza Batista.

Luiza Batista ressalta a necessidade da flexibilização da inviolabilidade do lar para a realização de investigações. “Porque a impunidade é o que estimula esses crimes”, frisou.

“A FENATRAD tem tido uma luta em nível nacional e internacional para combater o tráfico de pessoas para o trabalho doméstico. E outra luta é essa contra o trabalho análogo à escravidão, não só no Brasil, como em todo o mundo. Sabemos que aqui no Brasil, a partir da luta da FENATRAD, começou então a se discutir sobre a fiscalização no local de trabalho. Os auditores fiscais estão assumindo mais essa questão. Para isso, são necessárias denúncias, pois eles só podem fiscalizar a partir disso. Daí vão até o local para verificar a situação e resgatam a trabalhadora”, afirmou Creuza Oliveira, presidenta de honra da entidade.

Creuza Oliveira

MPT

O ato de privar as trabalhadoras domésticas de suas próprias vidas é condenado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

O Artigo 149 do Código Penal define trabalho análogo ao escravo como aquele em que seres humanos estão submetidos a trabalhos forçados, jornadas tão intensas que podem causar danos físicos, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto.

O Código Penal foi reformado em 2013, deixando mais claras as situações de punição por redução à condição análoga à de escravo. O código prevê a pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência cometida.

OIT

A Convenção Nº 189 da OIT Sobre Trabalho Decente para os trabalhadores e as trabalhadoras domésticas determina que os países devem adotar medidas para assegurar a promoção e a proteção dos direitos humanos de trabalhadoras domésticas. Dentre elas, a liberdade de associação e a liberdade sindical, assim como o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva e a eliminação da discriminação relativa ao emprego e ocupação. O Brasil ratificou a Convenção em 2018.

“A OIT é clara. A Convenção 189, nos garante trabalho digno e decente, com remuneração adequada e tratamento humanitário. Essa luta infelizmente, em pleno século XXI, ainda está longe de acabar. Muitas trabalhadoras ainda estão vivendo em cárcere privados e trabalho análogo à escravidão, além da violência física. Os empregadores confiam na impunidade e no isolamento que a trabalhadora doméstica vive no local de trabalho. A FENATRAD e seus sindicatos filiados têm feito o que é possível dentro da lei para coibir este tipo de abuso”, disse a coordenadora geral da FENATRAD, Luiza Batista.

A OIT estima que 20,9 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado em todo o mundo. Destas, 55% são mulheres e 45% são homens. As crianças constituem cerca de um quarto de todas as vítimas. Segundo dados obtidos pela OIT Brasil, entre 1995 e 2020 mais de 55 mil pessoas foram libertadas de condições de trabalho análogas à escravidão.

Demais casos

Luiza Batista considera que o caso da empregada doméstica Madalena Gordiano trouxe o tema para ser debatido pela sociedade. “A situação de Madalena causou comoção no Brasil”, frisou.

Madalena Gordiano foi trabalhadora doméstica da família do professor universitário Dalton César Milagres Rigueira, que prestou serviços durante quatro décadas, sem remuneração ou férias. Ela foi resgatada em novembro de 2020.

Madalena Gordiano

Em junho de 2021, uma empregada doméstica foi resgatada de condições análogas à escravidão em São José dos Campos (SP), em operação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e da Polícia Federal (PF). A mulher, à época com 46 anos de idade, passou mais da metade da vida no emprego.

Em janeiro deste ano, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, uma mulher foi resgatada após 32 anos de trabalho doméstico. Nunca recebeu salário ou gozou férias e descansos semanais. Trabalhava em condições degradantes, com jornadas exaustivas, além de sofrer abuso e assédio sexual do empregador. A mesma operação também resgatou outra mulher em Natal. A trabalhadora analfabeta, com 52 anos de idade, atuava como doméstica e cuidadora havia mais de cinco anos. Permanecia 24 horas à disposição da empregadora, inclusive à noite, dormindo num colchão, ao lado da patroa. Descansava apenas a cada 15 dias, trabalhava nos feriados e recebia cerca de R$ 500 por mês.

Uma semana após a operação ocorrida no Rio Grande do Norte, mais duas mulheres foram resgatadas, na Paraíba e no Rio Grande do Sul, em situações muito similares às anteriores. Em Campina Grande (PB), uma mulher de 57 anos, supostamente tratada como filha, era obrigada a realizar serviços domésticos sob a falsa alegação de que “era da família” e seria adotada. Em Campo Bom (RS), a vítima, com 55 anos e deficiência intelectual, foi resgatada após 40 anos trabalhando sem salário e sob xingamentos, agressões físicas e ameaças, dentro de casa e na frente dos vizinhos, de acordo com a investigação.

Em Salvador, capital da Bahia, duas trabalhadoras domésticas foram resgatadas do regime de escravidão doméstica. Elas foram levadas para uma casa de acolhimento da Prefeitura de Salvador, que recebe mulheres vítimas de violência doméstica e de outros crimes, que precisam de acompanhamento de psicólogas e assistentes sociais.

Caso Raiana

Em agosto do ano passado, no bairro do Imbuí, em Salvador, a babá Raiana Ribeiro da Silva, de 25 anos, se jogou do terceiro andar de um prédio, para fugir da patroa que a agredia e a mantinha em cárcere privado. Ela sobreviveu à queda, mas sofreu uma fratura no pé.

Raiana Ribeiro da Silva

O caso foi repercutido em toda a imprensa baiana e nacional. A FENATRAD e o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia (Sindoméstico/Ba) realizaram um protesto para cobrar uma punição a empregadora.

O Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA) abriu um inquérito para apurar o caso da babá Raiana.

Denuncie

A população pode denunciar os casos através dos canais de denúncia: site e o canal disque 100 para denúncias sobre violações dos direitos humanos. Além do instagram @trabalhoescravo, mantido pelo Instituto Trabalho Digno e por meio do qual também são recebidas denúncias.

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