Publicado no dia 19 de julho de 2023
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) repudia veementemente a decisão do juiz Juarez Dourado Wanderlei, da Justiça do Trabalho na Bahia, que negou indenização a uma trabalhadora doméstica, de 53 anos, após denúncia do Ministério Público do Trabalho (MPT) de condições análoga à escravidão.
De acordo com a denúncia, a trabalhadora doméstica, desde os sete anos, teria começado a fazer os serviços da casa de uma família em Salvador. No total, ela passou mais de quatro décadas na residência, sem remuneração.
Segundo o MPT, ao longo desse período, além de fazer todo o serviço doméstico, ela também teria cuidado dos filhos dos patrões, em jornadas de até 15 horas diárias. Ela não tinha direito a férias e nem a descanso semanal.
O juiz afirmou que “em seu âmago, naquela casa, [ela] nunca encarnou a condição essencial de trabalhadora, mas de integrante da família que ali vivia, donde se infere que, sob o ponto de vista do direito, jamais houve trabalho e muito menos vínculo de emprego”.
Autor da ação, o Ministério Público do Trabalho (MPT) vai recorrer da decisão. A sentença foi criticada por entidades de defesa dos direitos humanos.
“Na Bahia, o juiz Juarez Dourado Wanderlei desrespeitou a lei, ignorou a nossa luta, simplesmente deu carta branca para os empregadores que costumam escravizar meninas, geralmente vindas do interior com a ideia de que vão estudar na capital. Essas crianças perdem a referência da família biológica. Perdem o contato o convívio familiar. Ela passa a enxergar os empregadores como a sua única forma de sobrevivência. Isso é um absurdo!”, disse Luiza Batista, coordenadora-geral da FENATRAD.
Ela acrescenta: “um juiz em pleno século XXI, julgar improcedente uma denúncia do Ministério Público do Trabalho que afirma que uma trabalhadora doméstica está vivendo em condições análoga à escravidão é um absurdo sem procedente. Se esta família a considerava da família, por acaso pagou faculdade para ela? Ela dormia no mesmo local que os demais familiares dormiam? Ela se sentava à mesa para fazer as refeições junto com eles? Quando ela tinha algum problema de saúde, ela era atendida pelo plano de saúde da família?”, questiona a sindicalista.
Resgate
Em 2021, Tatiana Fernandes, auditora fiscal do Trabalho, que participou da operação de resgate da trabalhadora doméstica, afirmou: “A lei configura o que é trabalho escravo de forma muito objetiva. Não é uma condição que os auditores fiscais interpretam. Nesse caso específico, a fiscalização apontou a presença de três elementos para caracterizar o trabalho escravo. O expediente de 15 horas diárias, com intervalos curtos entre um dia e outro, e sem direito a repouso e férias, configurou a jornada exaustiva”, disse.
De acordo com a auditora fiscal, “os direitos mais elementares não estavam preservados: ela não tinha liberdade, não tinha privacidade, não tinha como gerir a própria vida. A trabalhadora dormia em um quarto com os netos da patroa, de quem também chegou a cuidar, quando os filhos da dona da casa ficaram adultos. Mesmo as saídas ordinárias, como idas ao mercado ou à padaria, eram controladas – a trabalhadora ouvia reclamações se demorasse”, explica.
“Ela não tinha a menor condição de sair daquela situação, já que a trabalhadora não tinha recursos financeiros para se manter fora da casa. Ela jamais teve conta bancária, por exemplo”, afirma Fernandes.
Nós não queremos ser da família
Luiza Batista lembra da “saudosa”, Lenira de Carvalho, que dizia: “nós não queremos ser da família, pois nós temos a nossa. O que queremos é respeito aos nossos direitos e que sejamos tratadas com dignidade’”.
Segundo Chirlene dos Santos Brito, secretária de Formação Sindical da FENATRAD, “apesar dos laços de afeto que criamos não queremos ser da família, pois temos a nossa e muitas vezes somos impedidas de vê-la”, informou.
A FENATRAD vem denunciando continuamente este tipo de crime contra a categoria. “É necessário que as leis sejam revisadas para que estes empregadores sofram punições, como, bloqueio de bens, contas bancárias. Infelizmente, pessoas desumanas que escravizam outro ser humano só vão respeitar quando começarem a sentir o peso no bolso”, disse Luiza Batista.
Para a secretária de Políticas para as Mulheres da FENATRAD, Maria Isabel Costa, “a burguesia da nossa sociedade permanece ainda com o período colonial impregnado. Este juiz está ainda com o ranço deste período escravocrata. Temos que ter os nossos direitos dentro da lei respeitados. A justiça elitizada, branca e racista, diz que a trabalhadora doméstica é da família para não pagar o que deve. O conservadorismo neste caso está falando mais alto que a justiça propriamente dita”, avaliou.
Com informações do site Repórter Brasil.