do Jornal GGN
A reforma da Previdência, proposta pelo governo Michel Temer com o argumento de salvar o futuro do sistema de aposentadoria pública no país, aponta para o efeito contrário, colocando a seguridade social em vias de extinção.
A avaliação é do professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, que ao lado de outros 20 economistas da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), assina o relatório “Previdência: reformar para excluir?”, trabalho que analisa todas as medidas da reforma pretendida.
Em entrevista ao programa online Na sala de visitas com Luis Nassif, Fagnani chamou atenção para a inconsistência dos principais argumentos defendidos para mudar as regras da aposentadoria pública – do suposto déficit e o fatalismo demográfico -, utilizados há mais de 30 anos por Ministros da Fazenda e comprado pelos principais meios de comunicação, influenciando a percepção negativa sobre o seguro social público.
Não existe déficit
Desde a década de 1930, com Getúlio Vargas, o Brasil trabalha com um sistema previdenciário financiado por três partes: governo, empregados e empregadores. Mecanismo mantido pela Constituição Federal de 1988 que, no Artigo 195, estabeleceu as regras para compor o orçamento da aposentadoria pública, onde o governo deve participar com 33% da receita (a terça parte), porém a parcela estatal nos últimos anos foi de apenas 12%.
“Da parte do governo foram criadas [em 1988] duas novas contribuições: o Confins e a Contribuição Sobre o Lucro (CSLL). Em 1989 o Maílson da Nóbrega, enquanto Ministro da Fazenda, passou a mão no Confins e na Contribuição Sobre Lucro e, desde então, a Previdência tem sido mantida apenas com as receitas do trabalhador e do empregador”, pontuou Fagnani.
O economista acrescentou que o sistema de financiamento da aposentadoria no Brasil foi inspirado no modelo dos países europeus que compõe a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, ou grupo dos países mais desenvolvidos).
“Nos países da OCDE a participação média do governo no orçamento previdência é de quase 50%, o caso mais extremo é o da Dinamarca, onde 75% da seguridade é financiada pelo governo, através do recolhimento dos impostos gerais”, completou.
A ideia de que a previdência pública deveria ser mantida apenas com o financiamento do trabalhador e empregador, em um modelo de capitalização, é outro equívoco que não condiz com as condições estruturais do Século 21, ponderou o professor.
“Um financiamento mantido apenas com recursos do trabalhador se justificaria se o mercado de trabalho ainda fosse fordista, quando um veículo era construído por 50 trabalhadores. Hoje já passamos da terceira revolução industrial, onde um veículo é construído por quatro ou cinco trabalhadores, e estamos indo para a quarta revolução, da chamada indústria 4.0, cada vez mais automatizada”, explicou.
Tal mudança estrutural obriga a uma participação cada vez maior do Estado, assunto que, em relação à Previdência, já foi superado pelos europeus, onde hoje se discute a criação de uma renda básica cidadã, “não mais como um mecanismo de proteção social, mas como um mecanismo de substituição do salário, porque não vai ter emprego”, acrescentou Fagnani, acusando o governo Temer de fazer uma reforma baseando-se em um cenário produtivo de meados do século passado.
“O que nós temos que fazer é transitar, definitivamente, da base salarial para taxar o capital, para taxar o ganho de produtividade. Esse é o desafio que nós temos que fazer que, aliás, a Europa já fez”, avaliou o economista, a exemplo de nações como Inglaterra e França, onde os serviços públicos se tornaram referência em todo o mundo, com destaque para aposentadoria, saúde e educação.
Envelhecimento como um fardo
Outra falácia apregoada pelos defensores da reforma é que o aumento da população idosa levará, fatalmente, a uma quebra das contas da Previdência.
“Eles usam um indicador muito frágil, que é razão de dependência de idosos. A ideia é que com o envelhecimento cada vez maior, haverá um número menor de contribuintes, de trabalhadores ativos. Mas esse indicador parte de um ponto equivocado, porque a Previdência não é financiada só pelo trabalhador ativo”, contra argumentou Fagnani.
Hoje o Brasil investe em torno de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) com a Previdência. O economista calcula que, em 40 anos, essa margem passará para 14%. Portanto, o Brasil tem pela frente tempo razoável para implementar alternativas que sustentem o orçamento do setor.