À frente do “Diálogos sobre o Trabalho Doméstico”, evento realizado quarta e quinta-feira, em Porto Alegre, a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria Oliveira, 58 anos, acredita que, mesmo após a sanção da Pec das Domésticas, a categoria ainda não está em pé de igualdade com outros trabalhadores.
Baiana de Salvador, Creuza trabalha desde os dez anos como doméstica – atualmente, é cuidadora de idosos – e admite que defender a categoria é um trabalho de formiguinha. Ela descobriu o movimento sindical em 1984 depois de sofrer agressão, assédio moral e sexual no trabalho.
Romper barreiras entre patrões e empregados e fazer com que doméstica se valorize, reconheça e lute por seus direitos a incentivam a liderar a categoria no Brasil. Os avanços da Pec da Domésticas, segundo ela, não foram suficientes para igualar seus direitos ao de qualquer outro trabalhador.
Ela conversou com o Diário Gaúcho no intervalo do evento, que reuniu sindicatos filiados à Fenatrad, entre outras entidades do setor, além do procurador Rogério Uzun Fleischmann, do Ministério Público do Trabalho, e do desembargador Ricardo Carvalho Fraga, do Tribunal Regional do Trabalho.
Diário Gaúcho – Como a senhora avalia a nova lei das domésticas? Foi um avanço?
Creuza – Essa regulamentação ainda não foi realmente o que a gente queria, porque não estabelece uma relação de igualdade de direito com os demais trabalhadores. Este projeto nos diferencia de outras categorias, como no caso do banco de horas extras de 12 meses, enquanto outras categorias compensam no final de cada mês ou no máximo em três meses. O seguro-desemprego também: os outros trabalhadores ganham cinco meses, nós vamos receber apenas três meses depois de 15 meses de trabalho. A trabalhadora viajante que terá direito apenas a 25% a mais do que ela recebe e não terá horas extras nem horas noturnas.
Diário Gaúcho – No que falta avançar de forma mais urgente?
Creuza – É na igualdade. Falta avançar na ratificação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que conquistamos em Genebra em 2010. Dezessete países já ratificaram a convenção, que determina que todos os direitos dos trabalhadores são iguais. O Brasil, que se comprometeu a ser um dos primeiros países a ratificar, criou a Pec das Domésticas, porém, continuou não nos igualando. A organização das domésticas no Brasil tem cerca de 80 anos, temos direito a carteira assinada há 43 anos e só agora que surge uma lei de multa para quem não assina.
Diário – Temos mais de 7 milhões de empregadas domésticas no Brasil, mas apenas 2 milhões têm registro na carteira. O maior desafio ainda é esse?
Creuza – Com certeza, porque existe a questão da falta de fiscalização. Os empregadores não eram punidos por não assinar a carteira. A multa de R$ 805 só começou a valer agora. Temos que esperar um ano e meio para ver se a lei colou e se houve crescimento nos registros em carteira. Muitos dizem que a nova lei vai causar desemprego, mas pesquisas do Dieese já mostram o aumento no número de registros depois que a lei foi sancionada.
Diário – Há resistência dos patrões em garantir estes direitos?
Creuza – Cumprir a lei, em geral, é uma dificuldade. Tem patrão que não paga carteira, não paga previdência. Acham que só pagando o salário já é o suficiente. Algumas trabalhadoras domésticas não querem que assinem a sua carteira porque têm o Bolsa Família, então os patrões se aproveitam disso. Ainda falta uma campanha de esclarecimento da população. Queremos conscientizar a categoria da importância da carteira assinada. Um ano que a empregada trabalhe sem carteira vai faltar para ela se aposentar.
Diário – Como a senhora acredita que será o cumprimento das novas regras?
Creuza – A presidente sancionou mas só entra em vigor quatro meses depois, entre outubro e novembro. A principal barreira é a falta de igualdade e vamos continuar lutando por isso, estamos esperando o Congresso se manifestar com os dois vetos da presidenta fez (um trata do que é considerado justa causa no caso de demissões e o outro das regras sobre horário de trabalho e descanso).
Diário – Qual o perfil da doméstica hoje no Brasil?
Creuza – Há mulheres jovens ainda, mas, depois de oportunidades como o Prouni e a lei que proíbe o trabalho doméstico até os 18 anos, isso fez com que elas sejam mulheres de mais idade, de 30 anos para mais. A escolaridade cresceu, o que ajuda a ter oportunidade de ir trabalhar em outras áreas. As domésticas do Brasil são mulheres mais maduras, com mais idade e que estão ganhando mais. Estão indo para suas casas, têm diminuído o número das que ficam morando no trabalho.
Diário – O preconceito de raça ainda é um problema para as domésticas?
Creuza – Sim, se é uma jovem, uma mulher branca, com cabelo mais liso, fazendo trabalho doméstico, dizem: “mas você é tão bonitinha para estar aqui, podia estar fazendo outra coisa”. Mas, se alguém vê alguém da minha cor no trabalho doméstico, não causa nenhum espanto, não é nada fora do comum. Se é branca, as pessoas já acham que isso não é para você, os homens fazem mais piadas e o assédio é maior. Com a jovem branca e a pede clara, o assédio é mais comum, não que com as negras não aconteça.
Diário – O tratamento a uma trabalhadora negra é diferente?
Creuza – A relação é diferenciada. O salário da branca é melhor, o nível de escolaridade é maior, a violência é menor. O negro é mais explorado. E aí, por isso, a nossa luta não é só trabalhista, é por gênero, raça e classe.
Diário – Como as domésticas devem buscar seus direitos, principalmente aquelas que não têm ligação com o movimento sindical?
Creuza – Devem procurar o sindicato, o movimento de mulheres. Elas têm que se organizar, a gente sozinha e isolada não consegue nada. Quando ela luta, participa de reuniões, ela eleva sua autoestima, se empodera. Nossa valorização é importante.
Diário – A doméstica ainda se sente inferior? Por quê?
Creuza – Sim, pelo tratamento, pela desvalorização do trabalho doméstico. As pessoas acham que o trabalho doméstico qualquer um pode fazer, que só tem valor o trabalho de quem frequentou a universidade. Quem faz o trabalho braçal não é valorizado. A mulher dona de casa também não é valorizada.
Diário – As lutas futuras da categoria incluem o fortalecimento dos sindicatos?
Creuza – Com certeza, valorizar mais e mais a categoria e o trabalho doméstico. A gente pode denunciar se a pessoa não tem coragem. Estamos lutando para que elas estejam estudando, fazendo faculdade e que possam optar por outras áreas, se quiserem.
Fonte: Diário Gaúcho/Jennifer Gullarte
Foto: Marcelo Oliveira/Agência RBS